domingo, 18 de maio de 2008

Interativos(?) e Contemplativos

A Capitania das Artes, no ano de 2008, trouxe aos artistas três propostas temáticas: MEA-CULPA, LAMBE-LAMBE ou INTERATIVOS E NÃO-CONTEMPLATIVOS. Na reunião para apresentação das propostas tudo parecia já estar pronto e premeditado, isso com 10 dias para a abertura da mostra, a apresentação dos temas parece ter havido só para tentar que o processo fosse “democrático”. Até o projeto do cartaz dentro da temática pré-escolhida estava lá. A temática da exposição 8 de maio de 2008 “escolhida” foi INTERATIVOS E NÃO-CONTEMPLATIVOS.
Os curadores deste ano Célia Albuquerque e Plínio Sanderson ficaram instigados com a temática e reuniram novamente os artistas para a discussão da temática juntamente com o coordenador do Setor de Artes Visuais da Capitania Ricardo Veriano. Sanderson iniciou as discussões lançando o que viria a ser INTERATIVO, inicialmente, para o curador, remeteria a algo a ser mexido ou burilado, ou algo feito coletivamente (a várias mãos) ou ainda, algo que remetesse a uma mudança na realidade deste expectador, em um processo reflexivo conjurando significados. E posteriormente o que seria CONTEMPLATIVO, que seria atribuir valor por admiração, de deter a vista em um determinado tempo. Estes conceitos parecem tão permeáveis (tantos significados) que se chegou a conclusão de que a interação passa pela contemplação: ao contemplar uma tela e esta chama seus olhos a contemplação ela passa a ser contemplativa, algo que mudaria essa vida do espectador (será?). Chegou a se questionar se até o olhar não seria contemplar. No final, ao ser questionado se haveria veto sobre trabalhos que não se enquadrassem nas questões propostas, Ricardo Veriano disse que poderia “encaixar” trabalhos nesta mostra, uma vez que “o dia é do artista e não da obra do artista” (?).
O que é INTERATIVO? A simples procura em um dicionário (vide um Aurélio...) achamos que é o que há interação e “interação” é a ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas, ou duas ou mais pessoas, uma ação recíproca. CONTEMPLATIVO é algo dado a contemplação, que por sua vez é a aplicação demorada e absorta da vista e do espírito, meditação profunda. Logo os trabalhos apresentados deveriam ter essa via de mão dupla entre o espectador e o artista (ou seu trabalho), onde este espectador pudesse dentro dessa proposição (teríamos um artista propositor, como Hélio Oiticica e Lygia Clark fizeram) estaria livre a sua vontade e bel prazer dizer como esta obra seria apresentada até a interferência de um segundo, eliminando assim a possibilidade de contemplação (reduzindo o tempo de observação).
Propostas discutidas, hora do recebimento e montagem da mostra. Neste momento é que se observa se os artistas entenderam a proposta. Por mais que a o núcleo de artes visuais tente “desengessar”, “descalcificar” e abrir este “estado refratário”, observa-se que nada mudou nos trabalhos. Problema. “O exercício dos matéricos conceituais e físicos” (como cita Ricardo Veriano) não foram feitos. O que se notou foi que a exposição foi dividida em 3 partes nitidamente. Uma para desenho e pintura, outra para assemblages e uma principal para instalações (e performance, na abertura) além da exposição dos trabalhos de Thomé Filgueira. E em terra de artistas “modernistas tardios”,como classifica o crítico Vicente Vitoriano a produção artística local, só se pode esperar é uma mostra modernista temperada com pequenas pimentas “contemporâneas”. As datas não foram cumpridas se observava artistas entregando trabalhos tardiamente o que comprometeu a curadoria.
Nas ações da Capitania para o 8 de MAIO estava prevista também uma Oficina de Construção e Elementos da Intervenção Urbana e da Performance com Dácio Bicudo de São Paulo, uma ótima oportunidade para os artistas repensarem sua produção e dialogar com este artista que tem uma experiência interessante com intervenções urbanas. Mas o que se viu foi que não houve um plano de ação: o que fazer(?), quando fazer(?), como fazer(?). O que houve foi um atropelamento destas etapas. Não houve uma explanação teórica sobre o assunto, nem o plano de construção do elemento que comporia o final da oficina para ser apresentada na abertura da exposição. Houve problemas de logística que atrapalharam todo o processo e a falta de planejamento de como aconteceria tal intervenção.
Eis que chegado o grande dia da abertura da mostra. Dia de observar as performances e sua efemeridade instigante. A performance de Ivo Maia, Ovo e Dor, interativa por excelência (graças!) e não contemplativa durante este processo de criação coletiva, com o arremesso de ovos recheados de cor sobre suporte (tela) e essa interação entre artista, trabalho e expectador. A metaperformance (apresentada no Devorando o Fausto) do Grupo Marimbondo Caboco, Guerra Santa (à lá La Fura Del Baus), com suas beatas irritantes e a guerra entre as religiões (hindu, católica, evangélica...) teve um desfecho estranho: como Jesus redimiria toda essa guerra? Faltou um elemento sincrético para o desfecho mais plausível, mas conseguiu atingir o “interativo” onde o público participou, mas não deveriam pedir para que as pessoas interagissem, só sugerir. A body art de Cátia Machado, Óleo, que mexe visão e olfato, pelo cheiro forte do óleo queimado, corpo que se debate neste óleo suplicando por vida, chamando e expectador para interagir com este animal que agoniza em meio a poluição, “tomou o público pela mão”. O trabalho de Ilkes Rosemir onde dentro do seu desenho há a interferência de um desenho infantil que tenta reproduzir o traçado interferindo sutilmente sobre o trabalho final. Assim como o trabalho de Leandro Garcia e Mariana Zulianeli, Interatividade. Mas há um trabalho que quase passa despercebido pelo espectador, a instalação site-especific de Vinícius Dantas, onde se utiliza da stencil-art (impressões no chão) para propor o castigo que pode ser a contemplação, interagindo com os trabalhos expostos.
O que se vê nesta mostra é a falta de planejamento e de preparação que a Capitania ainda tem em suas propostas. Mas há algo de novo: a TENTATIVA de mudar. Mas essas tentativas devem vir com o planejamento adequado das ações empreendidas. É necessário se pensar com antecipação de pelo menos dois meses. No primeiro mês a escolha dos curadores e a primeira reunião com os artistas para que dentro das propostas apresentadas escolham a que interessa ao grupo, dentro disto que se estabeleceria uma série de encontros para a apresentação do tema, bem como linhas históricas recorrentes, como elemento de formação artística e criação destes “matéricos conceituais e físicos”, concordando com Célia Albuquerque que “sem pesquisa experimentação e ousadia, limitamos nossa criatividade”. Para tanto é importante que os curadores não sejam só práticos, mas teóricos do seu trabalho e do contexto em que está inserido, a fim de fomentar nestes artistas não a vontade de mudar, que é bastante problemática, mas de propor experimentações dentro dessas poéticas pessoais em ligação com a produção contemporânea, bem como a liberdade para exercer suas funções. Faltam ações de arte-educação, de acompanhamento monitorado, como elo entre o observador e os trabalhos, possibilitando assim um fio a interpretação, compreensão e fomento desta pesquisa e desta sensibilização que a arte propõe a este que se presta a espectador das artes.

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